O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
Cap. 4 – Ninguém Pode Ver o Reino de Deus, Se Não Nascer de
Novo
1 – E veio
Jesus para os lados de Cesaréia de Felipe, e interrogou seus discípulos,
dizendo: Quem dizem os homens que é o Filho do Homem? E eles responderam: Uns
dizem que é João Batista, mas outros que é Elias, e outros que Jeremias ou
algum dos Profetas. Disse-lhes Jesus: E vós, quem dizeis que sou eu?
Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, filho do Deus vivo. E
respondendo Jesus, lhe disse: Bem aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque
não foi a carne e o sangue que te revelaram isso, mas sim meu Pai, que está nos
Céus”. (Mateus, XVI: 13-17)
2 – E chegou
a Herodes, o Tetrarca notícia de tudo o que Jesus obrava, e ficou como
suspenso, porque diziam uns: É João que ressurgiu dos mortos; e outros: É Elias
que apareceu; e outros: É um dos antigos profetas que ressuscitou. Então disse
Herodes: Eu mandei degolar a João; quem é, pois, este, de quem ouço semelhantes
coisas? E buscava ocasião de o ver. (Marcos, VI: 14-15; Lucas, IX: 7-9)
3 – (Após a
transfiguração). E os discípulos lhe perguntaram, dizendo: Pois por que dizem
os escribas que importa vir Elias primeiro? Mas ele, respondendo, lhes disse:
Elias certamente há de vir, e restabelecerá todas as coisas: digo-vos, porém,
que Elias já veio, e eles não o conheceram, antes fizeram dele quanto quiseram.
Assim também o Filho do Homem há de padecer às suas mãos. Então compreenderam
os discípulos que de João Batista é que ele lhes falara. (Mateus, XVII: 10-13;
Marcos, XVIII: 10-12)
RESSURREIÇÃO E REENCARNAÇÃO
4 – A
reencarnação fazia parte dos dogmas judeus, sob o nome de ressurreição. Somente
os saduceus, que pensavam que tudo acabava com a morte, não acreditavam nela.
As ideias dos judeus sobre essa questão, como sobre muitas outras, não estavam
claramente definidas. Porque só tinham noções vagas e incompletas sobre a alma
e sua ligação com o corpo. Eles acreditavam que um homem podia reviver, sem terem
uma ideia precisa da maneira por que isso se daria, e designavam pela palavra
ressurreição o que o Espiritismo chama, mais justamente, de reencarnação. Com
efeito, a ressurreição supõe o retorno à vida do próprio cadáver, o que a
Ciência demonstra ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos
desse corpo já estão há muito dispersos e consumidos.
A
reencarnação é a volta da alma ou Espírito à vida corpórea, mas num outro
corpo, novamente constituído, e que nada tem a ver com o antigo. A palavra
ressurreição podia, assim, aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos demais
profetas. Se, portanto, segundo sua crença, João Batista era Elias, o corpo de
João não podia ser o de Elias, pois que João tinha sido visto criança e seus
pais eram conhecidos. João podia ser, pois, Elias reencarnado, mas não
ressuscitado.
5 – E havia
um homem dentre os fariseus, por nome Nicodemos, senador dos judeus. Este, uma
noite, veio buscar a Jesus, e disse-lhe: Rabi, sabemos que és mestre, vindo da
parte de Deus, porque ninguém pode fazer estes milagres, que tu fazes, se Deus
não estiver com ele. Jesus respondeu e lhe disse: Na verdade, na verdade te
digo que não pode ver o Reino de Deus senão aquele que renascer de novo.
Nicodemos lhe disse: Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode
entrar no ventre de sua mãe e nascer outra vez? Respondeu-lhe Jesus: Em
verdade, em verdade te digo que quem não nascer da água e do Espírito, não pode
entrar no Reino de Deus, o que é nascido de carne é carne, e o que é nascido do
Espírito é Espírito. Não te maravilhes de eu te dizer que vos importa nascer de
novo. O Espírito sopra onde quer, e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde
ele vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do Espírito.
Perguntou Nicodemos: Como se pode fazer isto? Respondeu Jesus: Tu és mestre em
Israel, e não sabes estas coisas? Em verdade, em verdade te digo: que nós
dizemos o que sabemos, e damos testemunho do que vimos, e vós, com tudo isso,
não recebeis o nosso testemunho. Se quando eu vos tenho falado das coisas
terrenas, ainda assim não me credes, como creríeis, se eu vos falasse das
celestiais? (João, III: 1-12)
6 – A ideia
de que João Batista era Elias, e de que os profetas podiam reviver na Terra,
encontra-se em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima
reproduzidas (nº 1 a 3). Se essa crença fosse um erro, Jesus não deixaria de
combatê-la, como fez com tantas outras. Longe disso, porém, ele a sancionou com
toda a sua autoridade, e a transformou num princípio, fazendo-a condição
necessária, quando disse: Ninguém pode ver o Reino dos Céus, se não nascer de
novo. E insistiu, acrescentando: Não te maravilhes de eu ter dito que é
necessário nascer de novo.
7 – Estas
palavras: “Se não renascer da água e do Espírito”, foram interpretadas no
sentido da regeneração pela água do batismo. Mas o texto primitivo diz
simplesmente: Não renascer da água e do Espírito, enquanto que, em algumas
traduções, a expressão do Espírito foi substituída por do Espírito Santo, o que
não corresponde ao mesmo pensamento. Esse ponto capital ressalta dos primeiros
comentários feitos sobre o Evangelho, assim como um dia será constatado sem
equívoco possível.
8 – Para
compreender o verdadeiro sentido dessas palavras, é necessário reportar à significação
da palavra, que não foi empregada no seu sentido específico. Os antigos tinham
conhecimentos imperfeitos sobre as ciências físicas, e acreditavam que a Terra
havia saído das águas. Por isso, consideravam a água como o elemento gerador
absoluto. É assim que encontramos no Gênesis: “O Espírito de Deus era levado
sobre as águas”, “flutuava sobre as águas”, “que o firmamento seja no meio das
águas”, “que as águas que estão sob o céu se reúnam num só lugar, e que o
elemento árido apareça”, “que as águas produzam animais viventes, que nadem na
água, e pássaros que voem sobre a terra e debaixo do firmamento”.
Conforme
essa crença, a água se transformara no símbolo da natureza material, como o
Espírito o era da natureza inteligente. Estas palavras: “Se o homem renascer da
água e do Espírito”, ou “na água e no Espírito”, significam, pois: “Se o homem
não renascer com o corpo e a alma”. Neste sentido é que foram compreendidas no
princípio.
Esta
interpretação se justifica, aliás, por estas outras palavras: “O que é nascido
da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito”. Jesus faz aqui uma
distinção positiva entre o Espírito e o corpo. “O que é nascido da carne é
carne”, indica claramente que o corpo procede apenas do corpo, e que o Espírito
é independente dele.
9 – “O
Espírito sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para
onde vai”, é uma passagem que se pode entender pelo Espírito de Deus que dá a
vida a quem quer, ou pela alma do homem. Nesta última acepção, a sequência:
“mas não sabes de onde vem nem para onde vai”, significa que não se sabe o que
foi nem o que será o Espírito. Se, pelo contrário, o Espírito, ou alma, fosse
criado com o corpo, saberíamos de onde ele vem, pois conheceríamos o seu
começo. Em todo caso, esta passagem é a consagração do principio da
preexistência da alma, e, por conseguinte da pluralidade das existências.
10 – Desde
os tempos de João Batista até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força, e os
que fazem violência são os que o arrebatam. Porque todos os profetas e a lei,
até João, profetizaram. E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias
que há de vir. “O que tem ouvidos de ouvir, ouça”. (Mateus, XI: 12-15)
11 – Se o
princípio da reencarnação, expresso em São João, podia, a rigor, ser
interpretado num sentido puramente místico, já não aconteceria o mesmo nesta
passagem de São Mateus, onde não há equívoco possível: “Ele mesmo é o Elias que
há de vir”. Aqui não existe figura, em alegoria; trata-se de uma afirmação
positiva. “Desde o tempo de João Batista até agora, o Reino dos Céus é tomado
pela força”, que significam estas palavras, pois João ainda vivia no momento em
que foram ditas? Jesus as explica, ao dizer: “E se vós o quereis bem
compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir”. Ora, João tendo sido Elias,
Jesus alude ao tempo em que João vivia com o nome de Elias. “Até agora, o Reino
dos Céus é tomado pela força”, é outra alusão à violência da lei mosaica, que
ordenava o extermínio dos infiéis, para a conquista a Terra Prometida, Paraíso
dos hebreus que, segundo a nova lei, o céu é ganho pela caridade e pela
brandura. A seguir, acrescenta: “O que tem ouvidos de ouvir, ouça”. Essas
palavras, tão frequentemente repetidas por Jesus, exprimem claramente que nem
todos estavam em condições de compreender certas verdades.
12 – Os teus
mortos viverão. Os meus, a quem tiraram a vida, ressuscitarão. Despertai e
cantai louvores, vós os que habitais no pó, porque o orvalho que cai sobre vós
é orvalho de luz, e arruinareis a terra e o reino dos gigantes”. (Isaias, XXVI:
19)
13 – Esta
passagem de Isaias é também bastante clara: “Os teus mortos viverão”. Se o
profeta tivesse querido falar da vida espiritual, se tivesse querido dizer que
os mortos não estavam mortos em Espírito, teria dito: “ainda vivem”, e não:
“viverão”. Do ponto de vista espiritual, essas palavras seriam um contra senso,
pois implicariam uma interrupção na vida da alma. No sentido de regeneração
moral, seriam as negações das penas eternas, pois estabelecem o princípio de que
todos os mortos reviverão.
14 – Quando
o homem morre uma vez, e seu corpo, separado do espírito, é consumido, em que
se torna ele? Tendo o homem morrido uma vez, poderia ele reviver de novo? Nesta
guerra em que me encontro, todos os dias de minha vida, estou esperando que
chegue a minha mutação (Job, XIV: 10-14, segundo a tradução de Sacy).
Quando o
homem morre, perde toda a sua força e expira depois, onde está ele? Se o homem
morre, tornará a viver? Esperarei todos os dias de meu combate, até que chegue
a minha transformação?
(Id.
Tradução protestante de Osterwald).
Quando o
homem está morto, vive sempre; findando-se os dias da minha existência
terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente. (Id. Versão da Igreja
Grega).
15 – O
princípio da pluralidade das existências está claramente expresso nessas três
versões. Não se pode supor que Job quisesse falar da regeneração pela água do
batismo, que ele certamente não conhecia. “Tendo o homem morrido uma vez,
poderia ele reviver de novo?” A ideia de morrer uma vez e reviver implicam a de
morrer e reviver muitas vezes. A versão da Igreja Grega é ainda mais explicita,
se possível: “Findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei,
porque a ela voltarei novamente”. Quer dizer: eu voltarei à existência terrena.
Isto é tão claro como se alguém dissesse. “Saio de casa, mas a ela voltarei.”
“Nesta
guerra em que me encontro, todos os dias de minha vida, estou esperando que
chegue a minha mutação”. Job quer falar, evidentemente, da luta que sustenta as
misérias da vida. Ele espera a sua mutação, ou seja, ele se resigna. Na versão
grega, a expressão “esperarei”, parece antes se aplicar à nova existência:
“Findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela
voltarei novamente”, Job parece colocar-se, após a morte, num intervalo que
separa uma existência de outra, e dizer que ali esperará o seu retorno.
16 – Não é,
pois, duvidoso, que sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação
fosse uma das crenças fundamentais dos judeus, e que ela foi confirmada por
Jesus e pelos profetas, de maneira formal. Donde se segue que negar a
reencarnação é renegar as palavras do Cristo. Suas palavras, um dia,
constituirão autoridade sobre este ponto, como sobre muitos outros, quando forem
meditadas sem partidarismo.
17 – A essa
autoridade, de natureza religiosa, virá juntar-se no plano filosófico, a das
provas que resultam da observação dos fatos. Quando dos efeitos se quer
remontar às causas, a reencarnação aparece como uma necessidade absoluta, uma
condição inerente à humanidade, em uma palavra, como uma lei da natureza. Ela
se revela, pelos seus resultados, de maneira por assim dizer material, como o
motor oculto se revela pelo movimento que produz. Somente ela pode dizer ao
homem de onde ele vem, para onde vai, por que se encontra na Terra, e
justificar todas as anomalias e todas as injustiças aparentes da vida.
Sem o
princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, a maior
parte das máximas do Evangelho são ininteligíveis, e por isso tem dado motivo a
interpretações tão contraditórias. Esse princípio é a chave que deve
restituir-lhes o verdadeiro sentido.
Fonte da imagem: Internet Google.
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