Cap. 27 - PEDI E
OBTEREIS
9. A prece é uma
invocação, mediante a qual o homem entra, pelo pensamento, em comunicação com o
ser a quem se dirige. Pode ter por objeto um pedido, um agradecimento, ou uma
glorificação.
Podemos orar por nós
mesmos ou por outrem, pelos vivos ou pelos mortos. As preces feitas a Deus
escutam-nas os Espíritos incumbidos da execução de suas vontades; as que se
dirigem aos bons Espíritos são reportadas a Deus. Quando alguém ora a outros
seres que não a Deus, fá-lo recorrendo a intermediários, a intercessores,
porquanto nada sucede sem a vontade de Deus.
10. O Espiritismo
torna compreensível a ação da prece, explicando o modo de transmissão do
pensamento, quer no caso em que o ser a quem oramos acuda ao nosso apelo, quer
no em que apenas lhe chegue o nosso pensamento. Para apreendermos o que ocorre
em tal circunstância, precisamos conceber mergulhados no fluido universal, que
ocupa o espaço, todos os seres, encarnados e desencarnados, tal qual nos
achamos, neste mundo, dentro da atmosfera.
Esse fluido recebe da
vontade uma impulsão; ele é o veículo do pensamento, como o ar o é do som, com
a diferença de que as vibrações do ar são circunscritas, ao passo que as do
fluido universal se estendem ao infinito. Dirigido, pois, o pensamento para um
ser qualquer, na Terra ou no espaço, de encarnado para desencarnado, ou
vice-versa, uma corrente fluídica se estabelece entre um e outro, transmitindo
de um ao outro o pensamento, como o ar transmite o som.
A energia da corrente
guarda proporção com a do pensamento e da vontade. E assim que os Espíritos
ouvem a prece que lhes é dirigida, qualquer que seja o lugar onde se encontrem;
é assim que os Espíritos se comunicam entre si, que nos transmitem suas
inspirações, que relações se estabelecem a distância entre encarnados.
Essa explicação vai,
sobretudo, com vistas aos que não compreendem a utilidade da prece puramente
mística. Não tem por fim materializar a prece, mas tornar-lhe inteligíveis os
efeitos, mostrando que pode exercer ação direta e efetiva. Nem por isso deixa essa
ação de estar subordinada à vontade de Deus, juiz supremo em todas as coisas,
único apto a torná-la eficaz.
11. Pela prece, obtém
o homem o concurso dos bons Espíritos que acorrem a sustentá-lo em suas boas
resoluções e a inspirar-lhe ideias sãs. Ele adquire, desse modo, a força moral
necessária a vencer as dificuldades e a volver ao caminho reto, se deste se
afastou. Por esse meio, pode também desviar de si os males que atrairia pelas
suas próprias faltas. Um homem, por exemplo, vê arruinada a sua saúde, em
consequência de excessos a que se entregou, e arrasta, até o termo de seus
dias, uma vida de sofrimento: terá ele o direito de queixar-se, se não obtiver
a cura que deseja? Não, pois que houvera podido encontrar na prece a força de
resistir às tentações.
12. Se em duas partes
se dividirem os males da vida, uma constituída dos que o homem não pode evitar
e a outra das tribulações de que ele se constituiu a causa primária, pela sua
incúria ou por seus excessos (cap. V, nº 4), ver-se-á que a segunda, em
quantidade, excede de muito à primeira. Faz-se, portanto, evidente que o homem
é o autor da maior parte das suas aflições, às quais se pouparia, se sempre
obrasse com sabedoria e prudência.
Não menos certo é que
todas essas misérias resultam das nossas infrações às leis de Deus e que, se as
observássemos pontualmente, seríamos inteiramente ditosos. Se não
ultrapassássemos o limite do necessário, na satisfação das nossas necessidades,
não apanharíamos as enfermidades que resultam dos excessos, nem experimentaríamos
as vicissitudes que as doenças acarretam. Se puséssemos freio à nossa ambição,
não teríamos de temer a ruína; se não quiséssemos subir mais alto do que
podemos, não teríamos de recear a queda; se fôssemos humildes, não sofreríamos
as decepções do orgulho abatido; se praticássemos a lei de caridade, não
seríamos maldizentes, nem invejosos, nem ciosos, e evitaríamos as disputas e
dissensões; se mal a ninguém fizéssemos, não houvéramos de temer as vinganças,
etc.
Admitamos que o homem
nada possa com relação aos outros males; que toda prece lhe seja inútil para
livrar-se deles; já não seria muito o ter a possibilidade de ficar isento de
todos os que decorrem da sua maneira de proceder? Ora, aqui, facilmente se
concebe a ação da prece, visto ter por efeito atrair a salutar inspiração dos
Espíritos bons, granjear deles força para resistir aos maus pensamentos, cuja
realização nos pode ser funesta. Nesse caso, o que eles fazem não é afastar de
nós o mal, porém, sim, desviar-nos a nós do mau pensamento que nos pode causar
dano; eles em nada obstam ao cumprimento dos decretos de Deus, nem suspendem o
curso das leis da Natureza; apenas evitam que as infrinjamos, dirigindo o nosso
livre-arbítrio. Agem, contudo, à nossa revelia, de maneira imperceptível, para
nos não subjugar a vontade. O homem se acha então na posição de um que solicita
bons conselhos e os põe em prática, mas conservando a liberdade de segui-los,
ou não.
Quer Deus que seja
assim, para que aquele tenha a responsabilidade dos seus atos e o mérito da
escolha entre o bem e o mal. E isso o que o homem pode estar sempre certo de
receber, se o pedir com fervor, sendo, pois, a isso que se podem sobretudo
aplicar estas palavras: "Pedi e obtereis."
Mesmo com sua eficácia
reduzida a essas proporções, já não traria a prece resultados imensos? Ao
Espiritismo fora reservado provar-nos a sua ação, com o nos revelar as relações
existentes entre o mundo corpóreo e o mundo espiritual. Os efeitos da prece,
porém, não se limitam aos que vimos de apontar.
Recomendam-na todos os
Espíritos. Renunciar alguém à prece é negar a bondade de Deus; é recusar, para
si, a sua assistência e, para com os outros, abrir mão do bem que lhes pode
fazer.
13. Acedendo ao pedido
que se lhe faz, Deus muitas vezes objetiva recompensar a intenção, o
devotamento e a fé daquele que ora. Daí decorre que a prece do homem de bem tem
mais merecimento aos olhos de Deus e sempre mais eficácia, porquanto o homem
vicioso e mau não pode orar com o fervor e a confiança que somente nascem do sentimento
da verdadeira piedade. Do coração do egoísta, do daquele que apenas de lábios
ora, unicamente saem palavras, nunca os ímpetos de caridade que dão à prece
todo o seu poder. Tão claramente isso se compreende que, por um movimento
instintivo, quem se quer recomendar às preces de outrem fá-lo de preferência às
daqueles cujo proceder, sente-se, há de ser mais agradável a Deus, pois que são
mais prontamente ouvidos.
14. Por exercer a
prece uma como ação magnética, poder-se-ia supor que o seu efeito depende da
força fluídica. Assim, entretanto, não é. Exercendo sobre os homens essa ação,
os Espíritos, em sendo preciso, suprem a insuficiência daquele que ora, ou
agindo diretamente em seu nome, ou dando-lhe momentaneamente uma força
excepcional, quando o julgam digno dessa graça, ou que ela lhe pode ser
proveitosa.
O homem que não se
considere suficientemente bom para exercer salutar influencia, não deve por
isso abster-se de orar a bem de outrem, com a ideia de que não é digno de ser
escutado. A consciência da sua inferioridade constitui uma prova de humildade,
grata sempre a Deus, que leva em conta a intenção caridosa que o anima. Seu
fervor e sua confiança são um primeiro passo para a sua conversão ao bem,
conversão que os Espíritos bons se sentem ditosos em incentivar. Repelida só o
é a prece do orgulhoso que deposita fé no seu poder e nos seus merecimentos e
acredita ser-lhe possível sobrepor-se à vontade do Eterno.
15. Está no pensamento
o poder da prece, que por nada depende nem das palavras, nem do lugar, nem do
momento em que seja feita.
Pode-se, portanto,
orar em toda parte e a qualquer hora, a sós ou em comum. A influência do lugar
ou do tempo só se faz sentir nas circunstâncias que favoreçam o recolhimento. A
prece em comum tem ação mais poderosa, quando todos os que oram se associam de
coração a um mesmo pensamento e colimam o mesmo objetivo, porquanto é como se
muitos clamassem juntos e em uníssono. Mas, que importa seja grande o número de
pessoas reunidas para orar, se cada uma atua isoladamente e por conta própria?!
Cem pessoas juntas podem orar como egoístas, enquanto duas ou três, ligadas por
uma mesma aspiração, orarão quais verdadeiros irmãos em Deus, e mais força terá
a prece que lhe dirijam do que a das cem outras. (Cap. XXVIII, nº 4 e nº 5.).
Fonte da imagem:
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